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JORNAL RESENHA DIÁRIA

Quando o discurso social esbarra no emprego e nas contas públicas

  • Foto do escritor: Editorial Resenha Diária
    Editorial Resenha Diária
  • 21 de out.
  • 4 min de leitura
Editor lendo um jornal aberto, simbolizando reflexão sobre a sociedade.
Entre manchetes e silêncios, nasce o olhar crítico sobre o que realmente move a sociedade.

Eu acredito em políticas que protejam quem tem menos. Mas também aprendi, acompanhando a economia de perto, que não existe justiça social sustentável se o motor que paga a conta, o emprego formal e a produtividade das empresas, perde fôlego.


Nos últimos meses, vi um discurso ganhar força: “tirar das empresas para dar aos mais pobres”. Na teoria soa bonito; na prática, quando a régua é só arrecadar mais do setor produtivo, o risco é contrair investimento, travar contratações e piorar as contas do próprio governo.


Começo pelo básico: emprego. O Brasil fechou 2024 com desemprego anual de 6,6%, a menor taxa da série histórica do IBGE iniciada em 2012. É um dado importante e positivo, que eu comemoro, ele mostra quanto o trabalho é peça central da inclusão social (e quanto dói quando ele some).


Mas, particularmente, eu não acredito que esse número reflita a realidade vivida nas ruas. Isso porque o próprio IBGE considera “fora da força de trabalho” todas as pessoas que não estavam trabalhando nem procurando emprego, como estudantes, aposentados, donas de casa, pessoas que desistiram de procurar e beneficiários de programas sociais que não estão buscando trabalho. Ou seja, há uma parte da população economicamente ativa que simplesmente desaparece das estatísticas de desemprego.


Por isso, mesmo com o índice oficialmente baixo, a sensação de falta de oportunidade ainda é real, e pior, a falta de interesse em trabalhar, a algum motivo para isso, afinal, minguem vive de vento. E quando o ambiente de negócios azeda com aumentos recorrentes de carga sobre empresas, a contratação desacelera e o informal cresce. É simples assim.


E não é só “achismo”. Evidência empírica brasileira mostra que reduzir custo sobre folha aumenta emprego. Um estudo com identificação causal estima que um corte de 20 p.p. na alíquota de contribuição sobre a folha elevou o emprego em cerca de 10% no nível da firma, especialmente nas pequenas. Se o inverso é verdadeiro, onerar de volta, a tendência aponta para menos vagas e salários mais pressionados. Política social que nasce com o pé no freio da contratação não cumpre a promessa.


Agora, olhe a situação fiscal. O governo aprovou um novo arcabouço com metas de resultado primário: zerar em 2024, superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1,0% em 2026. A lógica é “gasto cresce menos que receita”, o que, na vida real, tem sido tentado via pacotões de aumento de receita e mudanças tributárias. O próprio FMI alertou lá atrás: foco excessivo em receita traz riscos de implementação e pode não entregar a queda firme da dívida se o crescimento não vier. Na semana de 21 de outubro de 2025, o Ministério da Fazenda ainda discutia como tapar um buraco no orçamento de 2026 após caducar uma MP que elevava tributos em setores como fintechs e apostas, sinal de como o caminho de “arrecadar sempre mais” enfrenta resistência e incerteza, inclusive política.


Enquanto isso, a dívida bruta segue alta para padrões emergentes. Pelas estatísticas do Banco Central, a dívida/PIB ficou na casa de 76–77% em 2024, bem acima da média histórica desde 2006 (c. 65%), e distante do patamar pré choque de 2011. Dívida mais alta significa juros mais pesados, menos espaço para políticas anticíclicas e maior sensibilidade a sustos. Se a estratégia fiscal depende de esfriar o setor produtivo para arrecadar, a conta pode sair ao contrário: crescimento menor, base tributária encolhendo e dívida/PIB piorando.


Tem outro ponto incômodo nesse debate: quem ganha quando o governo “aperta” empresas? Nem sempre é o trabalhador. Em 2023, a Bolsa emplacou um rally e o Ibovespa subiu cerca de 22%, fechando o ano perto da máxima histórica, ótimo para quem tem patrimônio financeiro relevante. Isso conversa com pesquisas recentes mostrando concentração muito elevada de renda no topo: a fatia dos 10% mais ricos ficou em torno de 40,8% da renda em 2023; há evidências de que o 0,1% mais rico ampliou participação entre 2017 e 2023, com crescimento de renda real bem acima da média. Ou seja: não faltou dinheiro no topo. O problema do Brasil continua sendo crescer pouco e incluir pouco via produtividade e emprego, não “lucro demais” em abstrato.


Por isso, a minha posição é simples: programas sociais bem focalizados e regra fiscal crível precisam caminhar com ambiente pró investimento e pró emprego. Dá para “olhar pelos que têm menos” sem punir quem contrata. Como? Deixo quatro princípios que eu defendo:


  1. Trocar distorções caras por medidas pró trabalho. Em vez de mirar “a empresa” de forma genérica, foque no custo de contratar: atacar encargos sobre a folha onde há maior elasticidade de emprego tem efeito mensurável. A literatura brasileira já mostrou isso.

  2. Previsibilidade tributária. Regras que mudam a cada trimestre expulsam investimento. Consolidação fiscal tem de vir mais por revisão de despesa ineficiente e por base larga com menos exceções, e menos por “sobe e desce” de alíquotas setoriais. O próprio debate do arcabouço reconhece que crescimento é a variável chave para estabilizar a dívida.

  3. Medir resultados com indicadores reais, não só com a manchete da arrecadação. Se a “vitória fiscal” de hoje destrói empregos formais amanhã, perdemos no agregado: menos consumo, menos investimento, menos arrecadação futura. Lembre: o emprego é a política social mais potente que existe, e os dados do IBGE mostram como poucos pontos a mais ou a menos fazem diferença enorme na vida das famílias.

  4. Foco em produtividade. Educação básica, qualificação, infraestrutura, segurança jurídica — é isso que aumenta o PIB potencial. Com base mais potente, a mesma alíquota arrecada mais sem sufocar quem produz. O FMI tem batido nessa tecla ao discutir dívidas elevadas no mundo: crescimento de qualidade é indispensável para equilibrar as contas.


No fim do dia, eu não compro a falsa escolha entre “empresa” e “pobre”. A empresa que investe e contrata é a ponte para o trabalhador sair da pobreza com autonomia. Tirar mais e mais de quem contrata, na esperança de que isso se traduza automaticamente em justiça social, pode matar a galinha dos ovos de ouro. Justiça social de verdade se constrói com emprego, produtividade e regras estáveis — e com um Estado que gaste melhor, em vez de arrecadar pior.


Se é para escolher um slogan, fico com este: menos improviso, mais emprego. Porque falar é bom, mas assinar a carteira é melhor.

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